A surpresa chegou no outono. Ela, com sua exuberante folhagem verde azulada, dava sinais de que em breve poderia florescer. O jardineiro não pareceu muito animado. Cenho franzido, a mão na cintura, cabeça um pouco inclinada, olhar atento na Agave. Observei a cena, afinal sendo ele tão zeloso com o nosso jardim deveria estar vendo algo que eu não compreendia até aquele momento.
Então, ele explicou, a agave é uma planta ornamental que floresce uma única vez e usa toda sua energia para florir e deixar novos brotos. Depois, a haste seca e ela morre. Assim, sem meias palavras, ele sugeriu que cortássemos o pendão e impedíssemos o florescimento, pois, segundo ele, preservaríamos a vida da Agave.
Não me senti no direito de interferir. Como eu poderia impedir que a natureza fizesse suas entregas e mostrasse o que vinha preparando há tantos anos?
Nas semanas seguintes, nós duas tivemos longas conversas sobre ser e viver. Aparentemente, a conversação acontecia somente na minha mente, só que eu acredito de verdade nessa união sem fronteiras de idiomas e linguagens que pode conectar todos os seres.
No auge de sua floração, ela finalmente se vestiu de sol e ganhou um brilho ainda mais especial com muitas abelhinhas festejando a vida em torno de seus ramalhetes amarelos. Aos seus pés, brotavam novas mudas e cada buquê reunia incontáveis promessas de novas agaves. A vida pulsava e ela expressava sua maior beleza.
Admirada, enxerguei o que se passava além da explosão de vitalidade que antecedia sua partida. Ali, percebi que se soubermos escutar a nossa própria natureza, se acreditarmos na força da nossa energia de criação, a maturidade pode significar a abertura de um portal por onde podemos deixar fluir nossa melhor versão.
Filosoficamente, o outono representa a chegada da maturidade, o período que antecede a velhice e carrega a simbologia das podas naturais e necessárias para que aconteçam as transformações que levarão nossa existência a outro nível e significado. Escuto a voz do outono pedindo conexão com o indispensável.
“Envelhecer pode ser a oportunidade para que nos tornemos a pessoa que sempre deveríamos ter sido porque permitimos que nosso potencial escondido finalmente apareça”.
A frase, atribuída a David Bowie, me chama a atenção. Não é sobre envelhecer e sim sobre apreciar e utilizar as transformações do tempo para deixar vir ao mundo nossas criações. É sobre reforçar valores de uma vida plena, de uma vida que vale a pena.
Vivemos a era da longevidade. Vivemos uma época na qual, somos estimulados a aproveitar a aposentadoria para criar projetos, realizar sonhos e explorar o desconhecido. O tempo e a experiência estão a nosso favor, podemos nos recriar na mudança da estação ou do ciclo da vida. Nunca é tarde para desabrochar o que em nós habita desde sempre.
Somos capazes de seguir nos aprimorando e descobrindo novos talentos, mas precisamos estar atentos ao ambiente no qual vivemos. Pois, ele é vital para nossa saúde e realização de nossos planos. Afinal, sempre pode aparecer quem queira nos podar.
Quantas vezes nossos sonhos são ceifados por quem, com as melhores intenções, só deseja que continuemos sendo os mesmos de sempre?
Ela floresceu e se despediu no outono para mostrar que nunca é tarde demais para atravessar portais e expressar beleza e amor.
Adriana Goulart
Pesquisadora do envelhecimento e os impactos do estilo de vida na saúde e bem estar.
Texto maravilhoso da querida Adriana Goulart. Retrata toda a sua sensibilidade. Uma partilha amável.