Ao longo da vida, acumulamos histórias que moldam quem somos. Algumas dessas histórias são claras, vivas e presentes em nossa memória, enquanto outras permanecem escondidas, enterradas no inconsciente, mas ainda assim influenciam profundamente nossas escolhas, comportamentos e emoções. É aqui que a psicanálise se torna uma ferramenta poderosa: ela nos permite acessar essas camadas ocultas e trazer à luz aquilo que precisa ser compreendido, transformado ou curado.
A psicanálise, criada por Sigmund Freud e ampliada por outros pensadores como Carl Jung e Melanie Klein, baseia-se na ideia de que o inconsciente guarda conteúdos reprimidos — memórias, emoções e desejos que não conseguimos processar conscientemente. Esses conteúdos permanecem ativos, mesmo que fora do nosso alcance direto, e se manifestam em nossos sonhos, padrões de comportamento e até nos sintomas físicos. É por meio da psicanálise que podemos tornar esses conteúdos conscientes, permitindo que sejam integrados à nossa identidade e transformados em recursos de autoconhecimento.
No contexto do projeto terapêutico Conto & Cura, a psicanálise ocupa um lugar central, pois ela não apenas explora o inconsciente, mas também oferece uma estrutura para interpretar as narrativas que construímos sobre nós mesmas. Cada encontro do grupo funciona como um espaço terapêutico, onde histórias pessoais e coletivas se entrelaçam, ajudando as participantes a identificar padrões que moldam suas vidas. Muitas vezes, esses padrões são semelhantes às tramas dos contos: situações arquetípicas que refletem dilemas, desafios e jornadas universais da psique humana.
Por exemplo, no conto La Loba do livro Mulheres que correm com os Lobos da Clarissa Pinkola Estés, que trabalhamos em nosso primeiro encontro, encontramos a figura simbólica de uma mulher que recolhe ossos no deserto. Ela é a representação da psique instintiva, aquela que busca reunir e curar as partes fragmentadas de si mesma. Os ossos que ela recolhe são metáforas para aspectos essenciais de nossa identidade que foram deixados para trás ao longo da vida, seja devido a traumas, repressões ou escolhas difíceis.
Freud descreveu o inconsciente como uma espécie de repositório de tudo aquilo que não conseguimos lidar no nível consciente. Para ele, as memórias e emoções reprimidas encontravam formas de se expressar, seja por meio de sonhos, lapsos de linguagem ou sintomas neuróticos. Jung, por outro lado, ampliou essa visão ao incluir os arquétipos — símbolos universais que habitam o inconsciente coletivo e que se manifestam em mitos, contos e padrões culturais.
Quando olhamos para La Loba sob essa perspectiva, entendemos que ela é um arquétipo poderoso: a curadora interna, aquela que tem a capacidade de reunir os pedaços de quem somos e devolvê-los à vida por meio de um "canto mágico". Este processo simbólico reflete a essência do trabalho psicanalítico: olhar para os fragmentos de nós mesmas com compaixão, compreendê-los e reintegrá-los.
Além disso, a psicanálise oferece ferramentas práticas que utilizamos no Conto & Cura para aprofundar essas reflexões. Uma delas é a livre associação, onde encorajamos as participantes a escreverem ou falarem sem censura, deixando que as palavras fluam livremente. Outra é a análise de sonhos, que frequentemente revela símbolos e mensagens do inconsciente que se conectam aos temas explorados nos contos.
Por exemplo, se uma participante associa o "deserto" de La Loba a um período de solidão em sua vida, isso pode se tornar um ponto de partida para explorar sentimentos de abandono ou isolamento que ainda ressoam em seu presente. A partir daí, a escrita expressiva pode ajudar a organizar esses pensamentos e emoções, transformando-os em insights valiosos.
Melanie Klein, uma das pioneiras na psicanálise infantil, destacou a importância de revisitar o passado para compreender as experiências que moldaram nossa percepção de nós mesmas e do mundo. Essa ideia é fundamental no Conto & Cura: ao revisitar nossas histórias, nos damos a oportunidade de ressignificá-las e encontrar novos caminhos de cura.
Freud dizia que “onde havia id, deve advir o ego”. Em outras palavras, o objetivo da psicanálise é transformar o que está oculto e desorganizado em algo que possamos integrar à nossa identidade. Esse processo não apenas nos liberta dos padrões repetitivos do passado, mas também nos permite acessar nossa essência mais autêntica.
Quando combinamos a psicanálise com os contos de fadas e a escrita expressiva, criamos um espaço terapêutico único, onde a linguagem simbólica dos contos nos guia para dentro de nós mesmas. Nesse espaço, podemos reconhecer nossas feridas, acolher nossas sombras e celebrar nossas forças. Não importa quão difíceis ou dolorosas sejam nossas histórias, elas têm o potencial de nos fortalecer e nos reconectar com nossa própria humanidade.
O Conto & Cura não é apenas um grupo terapêutico, mas uma jornada coletiva de transformação. Aqui, cada participante é convidada a explorar suas histórias com coragem e curiosidade, descobrindo que, no final, todos os ossos podem ser recolhidos e todas as partes de nós podem ser trazidas de volta à vida.
Participe gratuitamente da comunidade Conto & Cura para acessar conteúdos sobre contoterapia, psicanálise e escrita expressiva.
Lane Lucena, psicanalista, desenvolvedora da Metodologia das cartas Flor&Ser - que utiliza a escrita expressiva como recurso terapêutico e de florescimento humano. Mãe da Maria Carolina. Apaixonada pela vida, amo viajar, estudar e ler. Escritora, graduanda em Gerontologia, pós-graduada em comportamento organizacional e gestão de pessoas e em TEA - Transtorno do Espectro Autista, com especializações em psicopedagogia clínica e psicologia e saúde mental. Minha maior paixão é o autoconhecimento. Idealizadora do Psiqueanalise.com desde 2017.
Referências Bibliográficas:
- FREUD, Sigmund. Introdução ao Narcisismo e outros textos.
- JUNG, Carl G. O Homem e seus Símbolos.
- ESTÉS, Clarissa Pinkola. Mulheres que correm com os Lobos.
- KLEIN, Melanie. Narrativa de um Processo Psicanalítico.
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