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Uma dificuldade no caminho da psicanálise – 1917, Freud (1996d)

  • Foto do escritor: Lane Lucena
    Lane Lucena
  • 5 de mar.
  • 3 min de leitura


A origem

Sigmund Freud, ao longo de sua obra, desafiou pressupostos fundamentais sobre a mente humana. Em Uma dificuldade no caminho da psicanálise (1917), ele discute as resistências enfrentadas pela psicanálise e articula três grandes feridas narcísicas infligidas à humanidade pela ciência. Essas ideias continuam a ser fundamentais para compreender a forma como as pessoas reagem ao autoconhecimento e à psicanálise.



As três feridas narcísicas da humanidade

Freud argumenta que a psicanálise se depara com resistências porque toca diretamente naquilo que a humanidade prefere ignorar: a perda das ilusões sobre sua posição privilegiada no universo. Para ilustrar essa resistência, ele apresenta três grandes feridas narcísicas:


  1. A revolução copernicana: Com Nicolau Copérnico, a humanidade perdeu a crença de que a Terra era o centro do universo (De revolutionibus orbium coelestium, 1543). Essa descoberta deslocou o homem de uma posição privilegiada e o colocou como parte de um sistema vasto e impessoal.

  2. A revolução darwiniana: Charles Darwin, em A origem das espécies (1859), mostrou que os seres humanos não são uma criação especial, mas resultado da evolução natural, compartilhando ancestrais comuns com outros animais. Isso feriu o orgulho humano ao indicar que somos parte do reino animal e não uma exceção.

  3. A revolução freudiana: Freud afirma que sua teoria do inconsciente representa a terceira grande ferida narcísica. Se Copérnico retirou a humanidade do centro do universo e Darwin da posição de supremacia sobre os animais, a psicanálise desmontou a crença na soberania da razão sobre a mente. Freud mostrou que nossos pensamentos e ações são amplamente determinados por desejos inconscientes, fugindo ao controle da consciência (Freud, 1917/1996).



A resistência à psicanálise

A proposta freudiana desafia a ilusão de que somos mestres de nossa própria casa psíquica. A ideia de que forças inconscientes moldam nossos comportamentos e emoções gera desconforto e resistência. Freud percebe que essa resistência não ocorre apenas no meio acadêmico, mas também na sociedade em geral, que reluta em abandonar a crença na racionalidade absoluta (Laplanche & Pontalis, 1988).


A psicanálise, ao propor a escuta do inconsciente, convida à autodescoberta, mas essa jornada nem sempre é bem recebida. A resistência ao inconsciente não é apenas intelectual, mas emocional e defensiva. Muitas vezes, a negação e a desvalorização da psicanálise decorrem do medo de enfrentar verdades incômodas sobre si mesmo (Roudinesco, 2016).



Relevância contemporânea

Mais de um século após a publicação desse ensaio, a resistência à psicanálise persiste, embora tenha assumido novas formas. Em um mundo dominado pela busca por respostas rápidas e soluções imediatas, a proposta psicanalítica de um mergulho profundo na subjetividade pode parecer desafiadora. Ainda assim, o reconhecimento da complexidade da mente humana e da influência do inconsciente permanece fundamental para compreender as dinâmicas psíquicas e sociais (Green, 1999).


Freud não apenas identificou as dificuldades enfrentadas pela psicanálise, mas também forneceu uma visão profunda sobre as barreiras psicológicas que impedem o ser humano de se conhecer plenamente. A jornada do autoconhecimento, como ele propôs, não é simples, mas continua sendo essencial.



Sou a Lane, uma apaixonada pela escrita expressiva, mãe e psicanalista. Vivo o meu propósito a cada dia. Acredito que estamos juntos, numa constante troca de saberes.


Referências

  • Darwin, C. (1859). A origem das espécies. Londres: John Murray.

  • Freud, S. (1917/1996). Uma dificuldade no caminho da psicanálise. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol. XVI. Rio de Janeiro: Imago.

  • Green, A. (1999). O inconsciente freudiano e o inconsciente psicanalítico. Porto Alegre: Artes Médicas.

  • Laplanche, J., & Pontalis, J.-B. (1988). Vocabulário da psicanálise. São Paulo: Martins Fontes.

  • Roudinesco, E. (2016). Freud: Em seu tempo e no nosso. São Paulo: Companhia das Letras.


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